O SACRAMENTO DO REINO..
Parte I
A comida representa o modo de se estruturar dos diferentes grupos da
sociedade. Na hora de sentar-me a mesa escolho meus amigos ou comensais.
Nem todos podem comer com todos. E isso vale tanto para a sociedade do tempo de Cristo.
Na época de Jesus um judeu não tinha permissão de comer, com pagão, como se deduz pela reprovação que os cristãos de Jerusalém fazem a Pedro a respeito de sua visita a
casa de Cornélio(At.10:28
e 11:3), e em nosso tempo não é frequente que a dona de casa convide a
empregada a sentar-se na mesma mesa 'a qual convida as suas amizades. As
categorias sociais e as barreiras que elas estruturam manifestam-se nas refeições. Podemos dizer que a mesa une e separa, ao mesmo tempo. E isso por diferentes razões.
Os autores assinalam diversos sistemas de discriminação e exclusão em
uma sociedade de desiguais. Em primeiro lugar, o sistema da pureza, ou o
sistema religioso, que é um prolongamento das práticas do templo
aplicadas 'a convivencia entre as pessoas. Como no templo nem todos tem o mesmo
privilégio, tampouco na sociedade tudo é permitido. Há ordenamentos
claro não apenas sobre o que se come, mas principalmente sobre com quem
se come.(Mt.2:16). Temos também o sistema de honra-vergonha, pelo qual
as pessoas se sentem diferentes e desiguais e pelo qual se pretende defender a superioridade do homem em relação a mulher,
ou na de uma raça sobre outra, ou na de um sobrenome sobre outro. Por
fim está o sistema da relação patrão-cliente, pelo qual se reconhece que
nem todos tem os mesmos direitos nem as mesmas possibilidades. Alguns
estão acima de outros e é preciso saber jogar para poder subir ou ganhar
influência. Esse é o contexto social, não tão distante de nós, de um mundo que na mesa marca as diferenças, as desigualdades e as rupturas, Nesse mundo Jesus anuncia o Reino.
Mas como Ele o anuncia? De muitas maneiras, com ensinamentos,com parábolas, assim como com suas ações e seu comportamento. Chama a atenção sobretudo o lugar privilegiado que adiquire nos evangelhos o tema da comida como maneira de pregar e tornar presente o Reino.
Chama a atenção porque, por tratar-se de um homem como Jesus e de um
tema religioso, esperaríamos que o jejum, a abstinência e a mortificação
ocupasse o lugar central. Para Jesus o Reino é mesa compartilhada, porque quer afiançar os laços de fraternidade, de solidariedade, e de comunhão entre as pessoas. É sobretudo o evangelista Lucas que insiste nessa perspectiva do anúncio do Reino.
No tema da comida como metáfora do Reino, Jesus não é inovador e sim continuador da expectativa messiânica do Antigo Testamento. O texto de Isaias,
25:6-8, nos fala dessa expectativa. "O Senhor de todo poder prepara
sobre esta montanha um festim para todos os povos, um festim de carnes
gordas e de vinhos velhos, de carnes gordas suculentas e de vinhos
velhos decantados. Ele
fará desaparecer sobre essa montanha o véus estendido sobre todos os
povos, a mortalha que cobre todas as nações. Fará desaparecer a morte
para sempre. Os melhores vinhos e os manjares mais deliciosos para celebrar a presença de Deus, o triunfo da vida e a comunhão de todos os seres humanos. Porque é uma festa organizada por Deus, para todos os povos. Jesus, profeta, não apenas continua essa tradição mas também a realiza. Com Sua chegada o sonho se torna realidade.
A mesa compartilhada é o melhor simbolo para expressar a verdade central sobre o Reino
e sobre o Deus do Reino. O Reino é sobretudo uma experiência de
família, de comunhão e de prazer, porque é proximidade de Deus pai das
pessoas. Se isto é assim, não devemos estranhaar
que a mesa, a comida, o banquete, sejam temas centrais porque são
melhor símbolo da família reunida. Está aí para proclamar isso a maravilhosa parábola, mal chamada de parábola de filho pródigo, que tem o seu centro no abraço do pai no filho que retorna, no banquete para ele, em que se mata o melhor bezerro, e no convite que faz a todos "comamos e festejemos"..(Luc.15:23). O júbilo familiar celebrado por todos em torno da mesa, é a sua melhor pregação sobre o reino.
A imagem preferida de Jesus pra nos falar o que é central em sua mensagem não é o extase beatífico, mas o banquete e a comunhão da mesa, a festa compartilhada. "Ora eu vos digo, muitos virão do nascente e do poente tomar lugar no festim com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus(Mat.8:11). Essa pregação de Jesus sobre o reino, em parábolas de banquetes e de casamentos, provoca a entusiasmada declaração de um de seus ouvintes: "Feliz daquele que participar da refeição no Reino de Deus"(Lu.14:15).
Jesus não apenas nos fala do reino na forma de comida, mas Ele próprio come e suas refeições ão a melhor parábola, uma parábola ambulante, em ação. O oferecimento da Graça salvadora e integradora do Reino é encenado por jesus com suas refeições com todo o tipo de gente. O ato de comer junto é sobretudo um gesto de amizade, de aceitação e de comunhão por meio
do qual não somente se oferecem alimentos, mas também, de certo modo,
oferece-se a si próprio, oferece-se um pedaço de si mesmo. É isso que
jesus está prclamando, que o reino de Deus chega e se torna presente onde as pessoas são capazes de se sentar 'a mesma mesa para compartilhar o pão.
Jesus proclama e realiza o reino de Deus comendo com as pessoas. Mas há algo que chama escandalosamente a atenção nas refeições de Jesus. Sua comunhão da mesa é com os desclassificados e marginalizados da época, tanto pelo sistema religioso como pelo social ou economico. Jesus escandalisa porque come. Essa é a recriminação feita pelos seus inimigos:"Os discípulos de João jejuam com frequencia
e fazem orações, e do mesmo modo, os dos fariseus, ao passo que os teus
comem e bebem(Luc.5:33). Recriminação da qual o próprio Jesus tem que
se defender quando diz: "João, o batista, veio, ele não come pão não bebe vinho.....veio o filho do homem, come..bebe, e dizeis:És um comilão e beberrão amigo dos coletores de impostos e dos pecadores(Luc.7:33-34 e MAT.11:19). Comilão e beberrão parece ser uma alusão a Deut.21:18-21, em que se declara a condenação a morte do filho que é comilão e beberrão, e se mistura com pessoas indesejáveis. A reprovação sendo a qual Ele dá boa acolhida aos pecadores e come com ele(Luc.15:2, Mac.2:15), expressam o escandalo e o distanciamento daqueles que tinha segurança que Deus não admitia a todos por igual em sua mesa, em sua casa. A polêmica nos fala do conflito e do escândalo provocado por Jesus em sua forma de comer.
Porque o escândalo e o conflito? Porque, com sua forma de comer, Jesus não apenas rompia esquemas sociais da época, mas tambem esquema religiosos. Aqueles os quais Jesus comia, consistiam em pessoas difamadas, em pessoas que gozavam de baixa reputação e estima, os incultos e ignorantes cuja ignorancia
religiosa e comportamento religioso fechavam, segundo a convicção da
época, a porta de acesso a salvação. Não somente a sociedade os excluia e os marginalizava como também o próprio Deus o fazia. Na mesma época de Jesus, a comunidade religosa dos monges de Qunran, afirmava que os loucos, os alienados, os idiotas, os dementes, os cegos, os paralíticos, os coxos, os surdos e os mudos, nenhum deles poderiam ser admitidos na assembléia da comunidade. E nesse comportamento não faziam outra coisa senão aplicar a legislação que levítico indica.
pelos vínculos do calvário
ricardo brunet
Nenhum comentário:
Postar um comentário